Reportagem José González no Porto
O sueco mais argentino de sempre fez novamente das suas: perante a esgotada Casa da Música, sozinho mas não abandonado, encheu a sala com as suas canções gigantes, em que o simples dedilhar de uma guitarra conduziu os sonhos de muitos.
E nem foi assim há muito tempo que o vimos na invicta: há dois anos, no Primavera Sound, José González acompanhou um final de tarde bem agradável ali para os lados do Parque da Cidade. Desta feita, deixou os membros que o acompanham ao vivo e mandou-se aos palcos com pouco mais do que uma guitarra acústica.
Com um pequeníssimo atraso de 5 minutos, González subiu timidamente ao palco e sentou-se no seu centro, arrancando com "With the Ink of a Ghost", precisamente da mesma forma como se inicia o seu último registo, “Vestiges & Claws”. E do último para o primeiro foi um saltinho, com “Stay in the Shade” a acelerar um pouco o compasso. Por esta altura, ainda era possível ver algumas pessoas a entrar na sala, quase envergonhadas de incomodar a solenidade que o concerto já carregava. “Lovestain”, um pouco no mesmo registo, prosseguiu o espectáculo que tem tanto de melancólico como de belíssimo, onde as luzes fixaram-se num vermelho vivo, onde a mancha de sangue era, de repente, todo o palco.
No seu jeito bem reservado, José González exprimiu com honestidade a felicidade de estar de volta ao Porto, e que andou pela cidade o dia todo, antes de interpretar “The Nest”, do seu filho do meio “In Our Nature”, de 2007, e momento em que a luz virou do perigoso vermelho para o calmo azul.
Regressando ao seu último registo, cenário montanhoso montado para o espetáculo iluminou-se em contra luz para agraciar “The Forest”, antes de “Cycling Trivialities” arrancar os primeiros grandes aplausos da sala. José, sempre na sua pose honesta e introvertida, é homem de poucas palavras, preferindo atirar-se à sua guitarra. Seguiu-se “Every Age”, um manifesto de paz e harmonia entre o homem e a natureza, a curtíssima “Abram” e a primeira versão da noite, “Hand On Your Heart” de Kylie Minogue, naquela que é uma das especialidades do sueco: transformar completamente um tema e torná-lo visceralmente seu.
“Far Away”, canção de Junip (banda folk de González com Tobias Winterkorn) que também figura na banda sonora de Red Dead Redemption, foi recebida com bastante entusiasmo (será que haviam muitos gamers na Casa da Música?), e antecedeu “Face Off / The Cave”. Esta foi uma das músicas mais visualmente bem conseguidas da noite, onde o jogo de luzes a circundar o canutantor e finalizando totalmente direcionado ao público ainda a tornou mais envolvente, cobrindo a interpretação do seu último single com uma onda merecida de aplausos.
Por esta altura, era notória a atenção dada à estética do palco e das luzes, complementando na perfeição os seus temas e, talvez ainda mais importante, quebrar a possível monotonia visual imprimida pelo pouco carisma de José González. “Open Book”, tema que encerra o derradeiro longa duração, abriu alas para outro tema de Junip, “Line of Fire”, talvez o tema mais emblemático da banda sueca formada em 1998 e seguramente um dos momentos fortes da noite. “Afterglow” e “Stories We Build, Stories We Tell” são quase canções gémeas, mas “Killing For Love” sacode um pouco o padrão e chega mesmo a ser acompanhada por palmas dos centenas de presentes.
Tempo para o tradicional jogo de encore, onde José González regressa munido de mais três canções na ponta dos seus dedos. E que canções! “What Will”, que cresce de intensidade desde o primeiro segundo até encontrar o seu fim, foi o aperitivo perfeito para o final idílico: Primeiro com “Heartbeats”, dos seus conterrâneos The Knife e um dos motivos pelo qual o seu nome começou circular de boca em boca, e “Teardrop” dos britânicos Massive Attack, tema imensamente popular e que certamente atraiu muita gente para a sua discografia. E assim, com chave d’ouro, o artista meteu a viola no saco e seguiu para a capital. E a saudade já bate.
- Organização:Everything is New
- segunda-feira, 08 maio 2017